De repente, damo-nos lidando mal com o inacabado e o “em bruto” da vida, com a gestação e os seus tempos assimétricos, com os avanços e os recuos necessários à aprendizagem. Tratamos a vida com a mesma ansiedade que se abate sobre nós nos cinzentos corredores da espera, nas filas administrativas, nos engarrafamentos do trânsito. Tornamo-nos viciados em assuntos rapidamente fechados, incapazes de seguir o aberto que o odor da vida insistentemente propõe.
De repente, damo-nos sabendo apenas medir o tempo pelo relógio e pensando que não temos tempo a perder. O tempo do relógio é regulado por uma máquina. É neural e inodoro, isento e uniforme, corre inalterável, dirige-se sempre para diante, indiferente às ingerências do presente ou ao que fica para trás. O tempo do relógio é descomplicado e contínuo, capaz de afirmar, a qualquer preço, a sua progressividade. É um tempo sem vínculos, sem sentimentos que atrasam, sem raízes que maturam para lá do tempo. O tempo do relógio não é exatamente um tempo humano. E, contudo, fizemos do seu triunfo uma espécie de interdito civilizacional.
Eu diria que o exercício da paciência começa pela aceitação esperançosa da vida. Ela nos coloca face a face com a vulnerabilidade, aquela própria e a dos outros. Provavelmente ainda nos sentimos distantes das nossas metas, não gostamos de tudo o que encontramos em nós e à nossa volta, percebemos que há um trabalho de transformação que deve prosseguir ou deve mesmo ser intensificado. Não se deve confundir paciência com indecisão, passividade, escassa coragem. Pelo contrário: é a audácia de não se deixar instrumentalizar pela precipitação ou bloquear pelo temor, investindo ativamente o nosso tempo na gestão das expressões complexas e inesperadas da vida, mas fazendo-o com sabedoria, serenidade e atitude construtiva. Gosto muito do modo como Santo Tomás de Aquino explica a paciência. Diz ele que a paciência é a capacidade de não desesperar.
O agricultor não escava desesperado a terra atrás da semente que ali deixou, mas aparta-se dela sabendo que há um tempo necessário de separação para que a semente, no seu ritmo, possa florir. O pescador não abandona para sempre o mar só porque nesse dia não conseguiu apanhar peixe algum. Ele sabe que só há uma coisa a fazer: voltar no dia seguinte. A paciência é atenção à singularidade e à oportunidade de cada tempo, plenamente conscientes de que a existência se constrói com materiais muito diversos: peças de proveniência diversa, memórias heterogêneas, fragmentos disto e daquilo, caligrafias inequívocas, pegadas que prosseguem lado a lado, mas visivelmente desiguais, e por aí vai. A nossa unidade pessoal e a nossa comunhão com os outros só se realizam no encontro inesperado do diverso. Por uma via demorada de escuta, de disponibilidade, de efetivo reconhecimento, de negociação e, por fim, de encontro. A maior parte do tempo habitamos o inacabado. A paciência, se quisermos, é a arte de acolhê-lo e de partir daí para um trabalho incessante de ressignificação (que é, como sabemos, em grande medida, um trabalho de reconciliação).
O escritor italiano Giacomo Leopardi lembrou, não sem um grãozinho de humor, que “a paciência é a mais heroica das virtudes, precisamente por não possuir aparentemente nada de heroico“. E é também um traço de humor que vejo no fato de o termo grego para paciência, makrothymia, descrever fundamentalmente um modo de respirar. A paciência é respiração longa, distendida e aberta. O contrário do nosso respirar ofegante e férreo. Talvez tudo o que tenhamos a fazer seja isto: respirar melhor. E assim aspirarmos o perfume do instante.
fonte do texto:
MENDONÇA, José Tolentino. A Mística do instante: o tempo e a promessa. São Paulo: Paulinas. 2016. p. 104-106.
Disponível em <https://www.paulinas.com.br/produto/mistica-do-instante-a-2554p>fonte das imagens:
Young Plante [disponível em <https://naturesenergy.com/about-us/young-plant/>]
[Sem título] [disponível em <https://www.pinpointcgi.com/img/home/home-about-3.webp>]