O DEUS DA BELEZA

Hoje o que chamamos de beleza está completamente distante do seu centro, de suas raízes, do elemento gerador da própria beleza e as artes estão em crise – não se discerne mais entre o belo e o feio, pois o determinante é o consumo, se se vende ou não, como um produto qualquer. A beleza em si não aflora, pois não tem direito nesta sociedade de poder, de consumo e de dinheiro. A proposta da beleza é gratuita, exige tempo, contemplação, observação, namoro e transformação, isto é, àquele que faz arte ou àquele que a observa pede-se mudança, transformação de vida. Impossível permanecer igual, passivo, diante do belo.

A beleza não é um produto do ser humano, está tão acima dele! Ela o atrai, o seduz e, assim, o ser humano não vive sem ela.

A BELEZA ATRAI TODO SER HUMANO

Somos seduzidos pela beleza.

Para dar sentido à vida, todo ser humano tem uma dualidade de posturas que necessariamente atinge a beleza e se define pela beleza.

1a. postura: o sentimento de paraíso perdido, de nostalgia do paraíso – é a busca da perfeição, felicidade, prazer, o que é próprio de todo ser humano.

2a. postura: o sentimento de experimentar, de antecipar o paraíso, aqui e agora, de esplendor, de SHEKINÁH (Hebraico: palavra que designa habitação ou presença de Deus), próprio do ser religioso.

O SAGRADO E A BELEZA: UMA RELAÇÃO MÚTUA

O sentido do sagrado (separado) é indispensável para entendermos o porquê da beleza.

Percebe-se o sentimento de um “totalmente Outro “, Criador e criatura, pois o mundo não nos pertence. A linguagem do sagrado é o simbólico (símbolos/sinais).

As grandes religiões comunicam-se inteligentemente com o sagrado por meio de sinais (ritos, cultos, celebrações). Somente os símbolos formam uma linguagem universal.

A natureza é a primeira manifestação do sagrado, mas ela não é o sagrado. Há outras revelações do sagrado ao longo da história da salvação e da história das religiões.

A arte tem sido um espaço para o sagrado e o sagrado a renova e a mantém. Quando a arte torna-se um produto de consumo, de interesses, está fadada a definhar. Porém em sua raiz a palavra tem outro significado: ars, artis = serviço, função.

O artista sacro está a serviço da divindade, da comunidade, de sua religião e cultura, não de seus próprios propósitos. Coloca o seu dom em função do objetivo maior. Essa é a razão primeira da arte e do artista sacro. O princípio de arte sacra e do artista sacro. O princípio de arte sacra é o que dá sentido à arte em geral.

O MISTÉRIO OU O SAGRADO

O desejo, a busca de ser UM com a beleza, a catarse, significa:

Além dos sentidos do corpo, além da fé, é possível ver com os sentidos do Espírito pois o nosso ser é feito da mesma substância do MISTÉRIO: o desejo de tornar-se um só com Deus.

Assim, beleza nada mais é do que encontrar a unidade plena do nosso Ser. Dar sentido à vida passa, necessariamente, pelo sentido da beleza, kalón (do grego antigo):
reprodução significado palavra grega Kalón, três sentidos: Verdade, Amor, Beleza

“A verdade, o bem e a beleza são três lâmpadas ardentes de fogo e uma não vive sem a outra” (Dionísio, o Areopagita, séc. V).

A beleza tem um sentido objetivo; é ou não é, e independe do meu (subjetivo) parecer, do meu gosto, portanto o sentido de beleza está intimamente ligado ao sentido objetivo de sagrado, um não vive sem o outro. Quando a arte perde o seu sentido primeiro (sagrado), anda sem rumo, sem referência para renovar-se e manter-se.

A BELEZA É OBJETIVA

A concepção helênica de beleza é objetiva e comunitária. Há uma plena relação BELEZA/SER na base do cristianismo. Surge uma expressão de belo que é identidade do povo cristão. A concepção indígena, como a budista e de outras culturas, segue essa mesma regra.

Platão/Aristóteles: “A beleza é o esplendor da verdade”. A beleza se impõe e existe independentemente de agradar-me ou não.

Marco Aurélio: “Tudo aquilo que é belo, seja como for, é belo em si mesmo… A beleza não necessita de admiradores. Toda joia, o ouro, a púrpura, conserva seu brilho mesmo que ninguém a veja. Uma flor ou um arbusto”.

Plotino: A beleza é uma participação transcendental que se realiza nos objetos. “O belo só existe para aquele que é belo”.

Santo Agostinho: “As coisas são belas porque agradam, ou agradam porque são belas? Respondo sem vacilar: agradam porque são belas”.

II Concílio de Nicéia (7o. Concílio Ecumênico): “O que se pinta, o que se canta, o que se plasma nas formas visíveis não pode ser diferente do conteúdo invisível. O ícone é a suprema realidade do MYS-TERIUM. Há uma ortodoxia na arte. Arte e fantasia se opõem”. Conteúdo e forma, necessariamente, devem casar.

Crucifixo. Arte de Cláudio PastroA FERIDA DA BELEZA

Qual a razão de nos preocuparmos com arte e beleza?

Todos somos feridos pela beleza, e percebemos essa situação porque a beleza serena a alma, educa por inteiro, purifica o ser e chega a ferir, pois a beleza nos sacia e nos esvazia ao mesmo tempo. É bom lembrarmos, aqui, as duas posturas originais diante do paraíso:
– sentimento, nostalgia de paraíso
– paraíso aqui, agora

Porque é uma experiência vivida na totalidade do Ser e não só na sensibilidade, na periferia epidérmica.

Os seres feridos de beleza repousam os olhos na própria beleza incriada.

Buscam sempre o “paraíso perdido”, a beleza que os vai completar.

A beleza fere, produz lágrimas, leva-nos a uma profunda percepção do OUTRO, de algo a mais, pelo encantamento, estupor, maravilhar-se.

A beleza tem tudo a ver com a vida, pois, diante do belo, respiramos fundo e nossa expressão é: Ah!

A beleza gera um ENCONTRO que nos leva ao INVISÍVEL. Um verdadeiro encontro.

vitral capilla Santa Gertrudis

A beleza nos coloca diante de uma presença, de uma companhia e não de um fantasma, de uma ilusão.

A palavra pode manipular-nos. A beleza coloca-nos diante de uma PRESENÇA.

As palavras criam conceitos, os conceitos criam ídolos, só o estupor, o encantamento, o maravilhar-se tem o pressentimento de alguma coisa, coloca-nos diante de uma presença (Gregório de Nissa).

 

fonte do texto:
PASTRO, Cláudio. O Deus da beleza: a educação através da beleza. São Paulo: Paulinas, 2012. p.13-28
Disponível em <https://www.paulinas.com.br/produto/deus-da-beleza-o-1615>

fonte das imagens:
PASTRO, Cláudio. Fotografias ou reproduções de obras variadas.