PROJETO DE DEUS: FAZER-SE PESSOA HUMANA

Natal! A esta palavra está ligado todo um universo de símbolos: a vela, as estrelas, as bolas resplendentes, o pinheirinho, o presépio, o boi e o asno, os pastores, o bom José e a Virgem, o Menino repousando sobre palhas. Eles constituem o eco do maior evento da história: a encarnação de Deus. Nasceram da fé e falam ao coração. Hoje, entretanto, estes símbolos foram capturados pelo comércio e apelam para o nosso bolso. Apesar de toda a profanidade, o Natal guarda ainda sua sacralidade inviolável, sacralidade que é aquela da própria vida. Toda vida é sagrada e remete para um mistério sacrossanto. Por isso todo atentado contra a vida é uma agressão ao próprio Deus. Na vida do Menino a fé celebra a manifestação da própria Vida e a comunicação do próprio Mistério. A intuição desta profundidade não foi perdida na nossa sociedade secularizada. Em razão disso o Natal é mais do que todos os seus símbolos manipuláveis; é mais rico do que todos os mecanismos do consumo.

NÃO PODE HAVER TRISTEZA QUANDO NASCE A VIDA

Para que se possa verdadeiramente celebrar o Natal faz-se mister recriar a atmosfera sagrada de suas origens religiosas. Para isso não é suficiente professar a fé ortodoxa: neste Menino está a Pessoa do Filho eterno do Pai, subsistindo em duas naturezas, uma humana e outra divina, sem confusão, sem mutação, sem divisão e sem separação. Celebrar implica mais do que saber e refletir. Importa abrir o coração e se alegrar. Podemos pensar diante de uma criança? Podemos fazer doutrinas diante de uma vida que se abre em flor? “Alegremo-nos: não pode haver tristeza quando nasce a vida!” (S. Leão Magno, 1° Sermão sobre o Natal, 1). Celebremos: não pode reinar indiferença quando a noite, de repente, se ilumina!

Para celebrar cumpre exorcizar o medo inibidor. Ó criatura humana, por que temes com a vinda do Senhor? Ele não veio para julgar ninguém. Não nasceu para condenar. Por isso ele apareceu como criancinha. Seu chorinho é doce, não afugenta ninguém. Sua mãe enfaixou seus bracinhos frágeis: por que ainda temes? Ele não veio armado para punir. Ele está aí franzino para ficar junto de nós e nos libertar. Celebra a chegada do maior amigo! Canta aquele que foi sempre, no sono e na vigília, esperado e ansiado. Ele chegou! Enfim!

Cabe a cada um criar a festividade da festa, fazer silêncio no seu coração, preparar a alma e reconciliar-se com todas as coisas. Só assim a festa se deixa saborear. A nossa meditação visa aprofundar os motivos da alegria. Não temos a alegria dos bobos-alegres que são alegres sem saber por quê. Temos motivos para o júbilo radiante, para a alegria plena e para a festa solene: Deus se fez pessoa humana e veio morar em nossa casa. Que significa isto? Celebrar esta alvissareira notícia supõe mostrar os motivos da alegria e dar as razões da festa.

O FILHO ASSUMIU UM HOMEM CONCRETO, JESUS DE NAZARÉ

O Natal revela o projeto que Deus se propusera a si mesmo. Deus quis comunicar-se de forma completa a um outro ser diferente dele. Dignou-se dar-se de presente a alguém. Deus não quis ficar unicamente Deus. O Criador dispôs-se fazer-se também criatura. Não entendeu comunicar somente o seu Bem, a sua Verdade e a sua Beleza. Ele nos presenteou também com isso. Por conseguinte, sempre que radicalmente amamos o Bem, pensamos a Verdade e apreciamos a Beleza, estamos apreciando, pensando e amando Deus. Mas ele pretendeu muito mais. Quis dar-se: Deus dá Deus mesmo. Para se dar, precisa existir alguém diferente que o possa receber. E esse alguém foi criado, capaz de receber Deus. É o ser humano. E, dentre os seres humanos, o olhar divino repousou sobre o judeu Jesus de Nazaré. Nele Deus será absolutamente presente. O ser humano, portanto, só tem sentido pleno enquanto receptáculo de Deus! É como o copo: só tem sentido completo se receber o vinho precioso. Pois foi feito para isso. No seu irmão Jesus de Nazaré o ser humano encontra o sentido e a realização plena de sua existência, pensada, querida e criada para hospedar Deus. Quando, pois, Deus se autodoa totalmente a alguém, estamos diante da encarnação divina. Quando?

Certo dia, na plenitude dos tempos, quando o prazo da espera expirou, Deus se aproximou de uma Virgem toda pura. Bateu mansamente à sua porta. Pediu para morar e viver na casa dos seres humanos. E Maria disse que sim. Porque havia lugar para ele em sua hospedagem, o Verbo se fez carne no seio da Virgem. E a vida divina começou a crescer no mundo. E eis que numa noite completou-se o tempo. No silêncio da gruta, porque não havia lugar para ele na estalagem dos seres humanos, entre o arfar do asno e o mugir do boi, Deus nasceu. Aquele que ninguém jamais viu, aquele a quem os seres humanos suplicavam: Senhor, mostra-nos o Teu rosto, se mostrou assim como é. Permanecendo o Deus que sempre era, assumiu o ser humano que nem sempre era. É o mistério da noite abençoada do Natal!

Atendamos bem para a forma desta assunção: Deus não ficou no seu mistério indecifrável; ele saiu de sua luz inacessível e veio para as trevas humanas. Não permaneceu na sua onipotência eterna; ele penetrou na fragilidade da criatura. Não atraiu para dentro de si a humanidade; ele se deixou atrair para dentro da humanidade. Ele veio para o diferente dele; se fez aquilo que eternamente não era.

Passei por Belém de Judá e ouvi um sussurro terno. Era a voz de Maria embalando o filhinho: “Sol, meu filho, como vou cobrir-te de panos? Como vou amamentar-te, tu, que nutres toda criatura? Como vou ver-te nas minhas mãos, tu, que conténs todas as coisas?” (Analecta Sacra 1,229). E José, perplexo, exclamava: Como pode? Como pode ter forma de criança aquele que deu forma a todos os seres? Como pode fazer-se pequeno na terra aquele que é grande no céu? Como pode o estábulo conter aquele que contém todo o universo? Como podem seus bracinhos estarem envoltos em panos, se seu braço governa a terra e o céu? Como pode?

 

fonte do texto
BOFF, Leonardo. Natal: a humanidade e a jovialidade de nosso Deus. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p.7-18.
fonte das imagens:
AUGUSTE, Toussaint. Natal. Disponível em <https://www.pinterest.at/pin/1829656068821333/>.
AMÉRICO, Lúcio. Glória. Disponível em <https://br.pinterest.com/pin/511017888968407586/>.
BARNET, Daniell.Prince of peace. Disponível em <https://br.pinterest.com/pin/493566440419192488/>.
WALTON, Rose.Madona. Disponível em <https://br.pinterest.com/pin/197876977365695787/>.