A Escuta confere agudeza à própria escuta, amplia a nossa capacidade de ouvir. Sabemos que uma árvore que tomba faz mais barulho do que uma floresta crescendo. E se um caminhão se desloca vazio ou com meia carga faz mais barulho do que se for realmente cheio. O vazio pode ser muito ruidoso. E as meias cargas, tal como as meias verdades, estão mais expostas ao atrito. Um Padre do Deserto contava que a capacidade de escutar de um discípulo era tão grande que conseguia distinguir, à distância de sete metros, uma agulha caindo. Ora, muitas vezes nós nem a sete centímetros somos capazes de ouvir. A escuta pede, por isso, exercitação e treino. Temos os ouvidos embotados: até podemos ouvir, mas não escutamos. “Filho de homem, tu moras no meio desta raça de gente rebelde que tem olhos para ver e não vê, ouvidos para ouvir e não ouve”, lê-se no livro do profeta Ezequiel (Ez 12,2). Há tanta coisa que nos está sendo dita e que nós simplesmente não escutamos!
A escuta exige uma radicação, um hábito, uma permanência. Certamente na escuta há muitos equívocos e precisamos ser orientados na escola da audição. A história do pequeno Samuel (cf. 1Sm 3,1-19), que não sabe ainda que é Deus que o chama (ele pensa ouvir a voz de Eli, seu mestre), é a história da aprendizagem da escuta. Há nela uma vigilância interior que se aprende progressivamente, uma disposição de coração que nos permite escutar o inaudível. Não tenhamos dúvidas: tudo aquilo que escutamos, mas verdadeiramente tudo, deve ser apenas a preparação para a escuta do que permanece em silêncio. Só no habitat do silêncio, nas jornadas longas de silêncio e de exposição em oração, a escuta pode amadurecer.
Passou um vento impetuoso e violento, que fendia as montanhas e quebrava os rochedos, mas o Senhor não se encontrava no vento. Depois do vento, tremeu a terra. Passou o tremor de terra e ateou-se um fogo, mas ne no fogo se encontrava o Senhor. Depois do fogo, ouviu-se o murmúrio de uma brisa suave. Ao ouvi-lo, Elias cobriu o rosto com um manto, saiu e pôs-se à entrada. (1Rs 19,11-13)
A intriga, a história, o adensamento, a carne e a sua latência, o conflito, as feridas … Convite paradoxal para perder-se e para se encontrar. Teremos de aprender a trocar a potência pela leveza do sopro, a exemplo de Elias. Trocar todo o ruído pelo murmúrio de um silêncio, perante o qual Elias cobre o seu rosto.
fonte do texto:
MENDONÇA, José Tolentino. A Mística do instante: o tempo e a promessa. São Paulo: Paulinas. 2016. p. 108-110.
Disponível em <https://www.paulinas.com.br/produto/mistica-do-instante-a-2554p>fonte da imagem:
BARREIROS, Lucia. Catedral Verde: Floresta Amazônica [disponível em <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Aerial_view_of_the_Amazon_Rainforest.jpg>]