Maria Madalena é muito preciosa para nós porque assume todas as dimensões do ser humano. Sua espiritualidade, a vida do Pneuma para a qual ela caminha, não exclui nada de sua humanidade. Esta humanidade inteira encontrada na proximidade da morte, que olha a morte de frente, a capacita para ver além da morte. Assim, ela será a primeira testemunha da ressureição.
Lembramos a passagem do Evangelho de João (Jo 20, 11-16, reproduzido logo abaixo), quando Maria Madalena está no jardim à procura de seu mestre e amigo e se inclina sobre o vazio, sobre o túmulo vazio.
Essa passagem é para nós um ensinamento, porque em nossas vidas muitas vezes existe o vazio, não o belo vazio da plenitude mas o vazio da ausência. Quando o túmulo está vazio em nossa vida, é preciso ultrapassar este vazio, aceitar a ausência – esta ausência que é às vezes de uma pessoa, às vezes de nós mesmos, quando nos sentimos vazios de amor, quando nos sentimos vazios de alegria, quando nos sentimos vazios de conhecimento. E, no entanto, existe uma passagem pelo vazio, pelo deserto. Assim como Maria Madalena mergulha no vazio do túmulo devemos olhar de frente este vazio.
E é no coração deste vazio que ela escutará a voz do anjo que é o intermediário entre o mundo da pura luz e o mundo da matéria onde vivemos. Neste momento, uma voz: “Por que procurais entre os mortos aquele que está vivo?” (Lc 24,5) Por que procurar entre os mortais o que é composto e que logo será decomposto? Por que procurar nesse lugar o que não nasceu, não foi feito e não é composto? Maria Madalena volta-se em direção à voz e a palavra grega que João usa em seu evangelho para voltar-se, virar-se, é metanóia, que significa ultrapassar os limites do mental. E além do mental ela poderá reconhecer Jesus ressuscitado, na figura de um jardineiro.
O Cristo aparece a Maria Madalena sob uma forma não conhecida e isto é também um ensinamento, pois quantas vezes procuramos o amor, a sabedoria, sob uma forma particular! Quando esperamos uma manifestação de Deus, esperamos que ele esteja de acordo com uma certa imagem, de acordo com uma certa representação.
A sabedoria de Maria Madalena será reconhecer a presença do bem-amado no desconhecido, no estrangeiro, naquele que ela não compreende, que ela não reconhece. Como Maria Madalena, temos que ultrapassar esta imagem para que possamos reconhecê-lo em todos os seres, para que possamos reconhecê-lo em todas as formas e não ficarmos apegados a uma única imagem. É este apego a uma determinada representação que vai configurar uma espécie de idolatria e nos impedir de reconhecê-lo em todas as suas formas.
Um outro detalhe interessante: Maria Madalena chamará Jesus pelo nome que somente ela pode pronunciar: Rabboni. Todos os discípulos tratam Jesus como Rabi e apenas Maria Madalena o trata de Rabboni. A palavra Rabboni é comumente traduzida por Mestre. Mas o que quer dizer Rabboni? Ousamos traduzir Rabboni como meu Mestre querido, meu Mestre bem-amado, meu homem, meu amor, meu Deus, meu amigo, tudo isso dito em um único sopro, em uma mesma respiração.
Portanto esta palavra Rabboni une um imenso respeito a uma grande intimidade e uma grande ternura. Temos dificuldade nesta união porque não tocamos Aquele que respeitamos infinitamente, nós o colocamos no céu, sobre os altares, longe de nós. E, por outro lado, esquecemos a dimensão divina, esquecemos a dimensão celeste daqueles que podemos manter em nossos braços. Esta palavra Rabboni liga o céu e a terra, um amor muito humano e um amor muito divino.
Jo 20, 1-16
1No primeiro dia da semana, Maria Madalena chega cedo ao túmulo,
estando ainda escuro.
E vê a pedra retirada do túmulo.2Então desata a correr
e vai encontrar com Simão Pedro e com o outro discípulo, o que Jesus amava, e lhes diz:
“Levaram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o puseram” .3Pedro saiu, então, com o outro discípulo e foram até o túmulo.
4Corriam juntos, mas o outro discípulo foi mais depressa do que Pedro
e chegou primeiro ao túmulo;
5e, espreitando, vê depostos os panos.
Porém não entrou.6Chega então também Simão Pedro,
seguindo atrás dele, e entrou no túmulo
7e vê os panos depostos,
e vê que o sudário, que estivera à volta da cabeça dele,
não estava com os panos, mas dobrado à parte em outro lugar.8Então o outro discípulo, o que chegara primeiro ao túmulo,
entrou e viu e acreditou.9Ainda não conheciam a passagem da Escritura,
segundo a qual ele tinha de ressuscitar dos mortos.10Os discípulos voltaram então para junto dos seus.
11Maria Madalena ficou de pé chorando de fora do túmulo.
Enquanto chorava espreitou para dentro do túmulo
12e viu dois anjos sentados, vestidos de branco,
um à cabeça, outro aos pés,
no lugar onde o corpo de Jesus fora colocado.13Disseram-lhe então:
“Mulher, por que choras?”Ela lhes diz:
“Porque levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram!”14Enquanto ela dizia isso,
voltou-se e vê Jesus de pé. Mas não sabia que era Jesus.15Jesus lhe diz:
“Mulher, por que choras? Quem procuras?”Ela, pensando ser ele o jardineiro, lhe diz:
“Senhor, se o levaste, diga-me onde o puseste e eu o buscarei!”16E Jesus diz:
“Maria!”Voltando-se, ela lhe diz em hebraico:
“Rabboni!”
(o que quer dizer “Mestre” ).
fonte do texto:
LELOUP, Jean-Yves. Palavras da fonte: comentários sobre trecjhos dos Evangelhos de Maria e de Tomé. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 28-30.fonte da imagem:
(1)
PASTRO, Cláudio. Rabboni: manhã da Ressureição, 2000. Disponível em <https://claudiopastro.com.br/obras/diversos/>
(2)
PASTRO, Cláudio. O Anjo da Ressureição. Disponível em <https://www.alfanio.com.br/pd-4bb6e9-anjo-da-ressurreicao-20-x-25-claudio-pastro.html>