TEMPO DE ADVENTO: RECONCILIAR COM O TEMPO.

Um dos aspectos centrais da mística do instante é a conversão da nossa relação com o tempo. A nossa maior crueldade é o tempo. Como um fabricante de armadilhas desajeitado que acaba sempre prisioneiro das engrenagens que produz, também nós inventamos o tempo e nunca temos tempo. Os nossos relógios nunca dormem. Quantas vezes o tempo é a nossa desculpa para desinvestir da vida, para perpetuar o desencontro que mantemos com ela? Como não temos diante de nós os séculos, renunciamos à audácia de viver plenamente o breve instante. A imagem de Cronos devorando aquilo que gera perturba-nos. O tempo nos consome sem nos encaminhar verdadeiramente para a consumação da promessa. Nesse sentido, o consumo desenfreado não é senão uma bolsa de compensações. As coisas que compulsivamente adquirimos são, obviamente, mais do que coisas: são promessas que nos acenam, são protestos impotentes por um existência que não nos satisfaz, são ficções do nosso teatro interno, são uma corrida contra o tempo. Mas continuamos a achar que temos tudo controlado.

A verdade é que precisamos nos reconciliar com o tempo. Não nos basta um conceito de tempo linear, ininterrupto, mecanizado, puramente histórico. O continuum homogêneo do tempo que a teoria do progresso desenha não conhece a ruptura trazida pela novidade surpreendente. E a redenção é essa novidade. Precisamos identificar uma dupla significação no instante presente. O presente pode ser uma passagem horizontal, quantitativa, na perspectiva de uma realização entre este instante e o que lhe sucede. Mas o presente tem também um sentido vertical que requalifica o tempo, abrindo-o à eternidade. É o tempo qualitativo, da epifania.

Teremos em algum momento do caminho, de recuperar a sensibilidade à vida, à sua desconcertante simplicidade, ao seu canto indeciso, às suas travessias (e travessuras). Por vezes, gostaríamos que ela fosse mais redonda, mais linear, não tivesse aquele solavanco, aquela ferida, não tivesse passado por aquele estremecimento, não incluísse este contraste. Mas em nós coexiste o próprio contraste, e a atitude não é mudar aquilo que não podemos mudar, mas sim compreender que isso também é um dom, oportunidade que somos chamados a acolher.

fonte do texto, trechos retirados de duas publicações:
MENDONÇA, José Tolentino. A Mística do Instante: o tempo e a promessa. São Paulo: Paulinas. 2016. p. 27-28

MENDONÇA, José Tolentino. O pequeno caminho das grandes perguntas. Lisboa: Quetzal Editores. 2017. p. 18

fonte das imagems:
CECCONI, Carlos Francisco. Altar de advento 2021, anjo amarelo