A MEDITAÇÃO: EXERCÍCIO TERAPÊUTICO, EXERCÍCIO FILOSÓFICO

Se a meditação é para nós um exercício terapêutico, nós temos pelo menos quatro boas razões para meditar.

Primeiro, nós meditamos para sofre menos ou, ao menos para vivermos nosso sofrimento de outra maneira. A meditação é um exercício de “grande saúde” cujo objetivo não é suprimir toda dor, o que seria uma dor ainda maior, uma ilusão, mas colocá-la no seu lugar para que ela não ocupe todo espaço. Meditar é uma maneira de ocupar do corpo, de relaxá-lo. É permitir que o corpo encontre o tônus adequado (nem crispado, nem largado) a fim de acolher um sopro profundo e tranquilo para estar fisicamente centrado e atravessar as provações ou experiências do dia.

A “grande saúde” é também a saúde mental e é a segunda razão pela qual podemos praticar a meditação. Colocar ordem em nossas ideias, deixar a calma entrar em nossos pensamentos, tornarmo-nos capazes de silêncio e de atenção, ter o olhar claro e presente a tudo aquilo que nos acontece, livres dos pensamentos negativos, obsessivos e dos pacotes de memórias que se projetam incessantemente sobre aquilo que nos é dado a viver aqui, no instante. É desta maneira que um certo número de exercícios meditativos são hoje em dia ensinados nos hospitais e particularmente na psiquiatria para ajudar o doente e reencontrar, se não o “domínio” do seu pensamento, o uso da sua consciência.

Reencontrar o uso da consciência é também provar em nós o esboço de uma liberdade. Meditamos para sermos livres. Meditar é romper os vínculos que nos acorrentam ao nosso passado, às nossas angústias e, sem dúvida, aos nossos medos; é, sobretudo, ir além do olhar que os outros colocam sobre nós: família, sociedade, ciência, religião; é não nos fecharmos em todas as ideologias redutoras ou ilusórias que nos são impostas através do nosso meio ambiente ou nossa educação. É, sobretudo, parar de se identificar com esses entraves. Meditar é dar a si mesmo um espaço e um tempo de liberdade e de autonomia que podem nos permitir encontrar nosso lugar adequado não apenas na sociedade, mas também no universo (sem inflação e sem depressão).

Descobrir através da meditação este “espaço templo” de liberdade é descobrir sua liberdade de amar. Mas, aqui também, antes de sermos capazes de compaixão ou de amor incondicional, o coração precisa ser curado. Cura do espírito ou cura do coração caminham juntas, pois determinadas memórias traumáticas podem ser um obstáculo em nós ao movimento da Vida que se dá e que perdoa. A meditação permite que as memórias “venham à tona” – quando elas são acolhidas em uma boa postura, um espírito vigilante e um coração aberto, elas podem ser dissolvidas ou, pelo menos, parar de manipular nossos comportamentos.

É evidente que este processo de ab-reação (*) suave, que é por vezes a meditação, pode ser acompanhado por uma análise ou uma outra terapia que permitirá a plena eficácia e, desta maneira, devolverá à afetividade sua livre expressão – descarregada de seus componentes excessivamente emocionais. Nossa afetividade será, então, capaz de colocar-se à disposição da benevolência e até mesmo da doçura, da suavidade e da beleza.

Em suma, a meditação pode nos ajudar a:

  • tornarmo-nos menos sofredores e mais vivos;
  • estarmos menos agitados, menos ocupados mentalmente e mais conscientes;
  • estarmos menos agitados, menos dependentes e mais livres;
  • estarmos menos no medo e na agressão e sermos mais amorosos.

Desta maneira, o exercício que, de início, era considerado como terapêutico, pode revelar-se como um exercício filosófico ou espiritual que responde, além das suas necessidades e suas demandas, aos quatro grandes desejos que animam o ser humano:

  • desejo de ser e de perseverar no ser: desejo de ser vivente;
  • desejo se ser vivente, mas também desejo de conhecer, conhecimento de si e do universo, conhecimento e consciência daquilo que é verdadeiramente: desejo de ser consciente;
  • desejo de ser livre, não apenas com relação às nossas memórias e aos nossos condicionamentos; desejo de liberdade com relação à finitude (aceitá-la é estar livre dela) e aos nossos determinismos: desejo de Infinito;
  • desejo de amar e de ser amado, que é também desejo de ser feliz, desejo de uma beatitude não dependente do meio ambiente e das circunstâncias.

Esses quatro desejos estão estreitamente ligados uns aos outros. De que serve estarmos vivos e em boa saúde se não somos conscientes, se não somos livres, amados e amorosos?

Para que sermos conscientes se estamos doentes? De que serve isso se a consciência e a vigilância não nos libertam das nossas alienações, da nossa infelicidade e do nosso medo de amar?

Pra que sermos livres se não temos um corpo onde experienciar esta liberdade, consciência para proclamá-la e um coração para doá-la?

Para que sermos amorosos se nosso corpo nada sente, se nossa consciência não ilumina nosso amor e se nós não somos livres para vivê-lo?

Esses quatro desejos são apenas um: desejo de um Real soberano que seria Fonte de Vida, de Consciência, de Liberdade, de Amor. É o desejo e a sede por este Real soberano que nos coloca a caminho rumo à Fonte. A meditação é um meio dentre outros para entrarmos em contato com a Fonte (da nossa vida, da nossa consciência, da nossa liberdade, da nossa afetividade) e ali nos refrescarmos.

Conscientes da nossa necessidade de cura à qual a meditação pode responder como exercício terapêutico, e conscientes do nosso desejo de iniciação ao qual a meditação pode responder como exercício filosófico ou espiritual, coloca-se, então, a questão da forma de meditação que nos é mais apropriada.

(*) Na psicanálise, o termo “ab-reação” indica a reaparição consciente de sentimentos até então recalcados.

fonte do texto:
LELOUP, Jean-Yves. O sentar e o caminhar. Petropólis: Editora Vozes, 2013. p.24-27.